Falando de teatro na Antiguidade, estamos lidando com dramaturgia musical, com teatro musicado.
Havia partes da peça que eram cantadas/dançadas. e outras que eram cantadas.
Havia partes da peça que eram cantadas/dançadas. e outras que eram cantadas.
|
PARTES
|
METRO
|
MODO DE
ARTICULAÇÃO
|
AGENTES
|
ACOMPANHAMENTO
MUSICAL
|
|
1-Prólogo
|
Trímetro Iâmbico
|
Falar[1]
|
Personagens não corais
|
Não
|
|
2-Párodo
|
1-anapestos
2-metros diversos
|
1-Entoar
2- Cantar/dançar
|
Coro
|
Sim
|
|
3-Episódios
|
Trímetro
Iâmbico
|
Fala
|
Personagens
e corifeu
|
Não
|
|
4-Estásimos
|
metros diversos
|
Cantar/dançar
|
Coro
|
Sim
|
|
5-Mistos
(Canto amebeu, duetos, Kommós/ lamentação, epirremas[2])
|
metros
diversos
|
1-Falar
2-Cantar/dançar
|
Coro e
personagens não corais
|
Sim
|
[1] “Falar” aqui significa um tipo de
performance verbal com ritmo e organizada das palavras, uma fala estilizada. Em
Ésquilo isso é bem evidente. Não é uma fala cotidiana: ha limites relacioados
às escolhas das palavras e sua ordem em cada verso. Tal fala versificada, com
um verso contínuo, de mesmo tipo, retoma tradições como a do performer narrativo (contador de
histórias) da poesia épica.
[2] 1- Canto amebeu, de amoibaios, ou
mudança, alternação, usado para compreender a poesia bucólica e trocas e
disputas entre cantores. 2- Duetos ou
encontros é nomenclatura proposta por ROSENMEYER 1982 para traduzir
contracenações entre agentes corais e não corais. 3- Epirrema, composição epirremática, diálogo lírico-epirremático
são expressões que a partir da métrica moderna (sec. XIX) procuram traduzir a
alternância entre canto e fala. 4- Kommós, relaciona-se a um canto de
lamentação partilhado entre coro e agentes não corais.
Em
negrito estão as partes exclusivamente relacionadas à atividade coral. Em
Ésquilo, como o comediógrafo Aristófanes (446 a.C -386 a.C.) nos
informa, após o início da peça, segue-se uma sequência de quatro seções com
performance coral, sem participação dos agentes não corais, constituindo um
eixo de referência para a platéia[1].
O termo ‘estásimo’ vincula-se ao fato de
o coro estar ali de pé, firme, estável em grupo[2].
O
segundo eixo, em itálico, é o das partes não corais, no qual há contracenação
entre agentes sem mediação de canto, dança e acompanhamento musical.
Com
isso, vemos que a base de organização de uma tragédia ateniense está nessa
sucessão e alternância de atividades corais (estásimos) e outras não corais
(episódios).
Há
três maneiras básicas de perceber e compreender estas distinções: o metro ou
distribuição das palavras em organizações prosódicas e rítmicas específicas; a
compreensão das seções ou partes pelas quais o espetáculo se organiza; rubricas
internas, ou referências que os agentes fazem a respeito de suas atuações. Tais
informações vão ser providenciadas no comentários individual das peças.
Mas
as coisas podem ser um pouco mais complicadas que a oposição e diferenças entre
cenas cantadas/dançadas e cenas não corais. Dentro dos episódios podemos ter
momentos em que se dá um estranho diálogo, uma verdadeira colisão de forças:
temos ao mesmo tempo contracenando ora um coro que canta e um agente não coral
que ‘fala’, ora um coro que ‘fala’ e um agente não coral que entoa e canta. Assim,
rompe-se a aparente simetria entre os dois eixos articulatórios (canto X fala),
promovendo uma sobreposição de performances com orientações diversas.
Ou
seja, tanto em sequência quando em sobreposição temos a imagem de um espetáculo
com vários espetáculo dentro: quem fosse ao Teatro de Dioniso iria se deleitar
com narrativas, com danças, com canções, com músicas, com a interpretação dos
agentes. A diversidade de recursos utilizados se materializa nas diferentes
partes e seções do espetáculo.
De
volta para nossa tabela, tal diversidade pode ser compreendida quando se
esclarece os itens 1 e 2. Temos dois termos relacionados com começos nas
tragédias. Antes de tudo, é preciso ter em mente, que havendo dois tipos de
começos, tal momento de estabelecimento do contato com a audiência era muito
relevante. As diversas outras partes possuem o mesmo nome para suas diversas ocorrências.
Assim, podemos ter quatro episódios ou quatro estásimos e todos eles
constinuarão como episódios e estásimo. Mas um prólogo ou um párados – e um
êxodo, do qual já falaremos – são únicos. Logo, são únicos e distinguíveis os
modos de se começar uma peça. É precis marcar bem o começo. E se começa ou com
agentes não corais contracenando em cena (prólogo) ou inicia-se com uma entrada
do coro (párodo).
Assim,
é tão relevante começar quanto variar o modo de se iniciar o espetáculo: Sete contra Tebas, Agamênon, Coéforas, e
Eumênides, iniciam-se com seções não corais, enquanto que o Os persas e
As Suplicantes abrem com coros.
A
importância dos inícios se liga, entre outras coisas, ao contexto mesmo de
representação: como vimos, o Teatro de Dioniso era um espaço integrado no
ambiente da cidade de Atenas. Era caminho para se subir para a Acrópolis.
Sentado, o espectador podia contemplar a cidade e o céu. Nesse sentido, o
dramaturgo deveria trabalhar com a continuidade da participação da audiência. A
ênfase em formas de início é um modo de enfrentar a questão do desligamento
recepcional. Como o espetáculo da dramaturgia ateniense é modular, dividido em
partes ou seções com limites bem identificáveis (ordem relativa, tipos de
performance, sonoridade/metros), um início bem marcada funciona como horizonte
de expectativas: o início é tanto o início da seção quanto de toda obra. Se a
seção de abertura assim se distigue por enfatizar duplamente seu início, todas
as outras seções também se marcar como novos inícios.
Como
isso, dramaturgias modulares nos induzem a produzir fortes marcas de
estabelecimento de contato que são renovadas: o espetáculo inicia-se diversas
vezes a cada nova seção.
Esta
lógica também se aplica ao fim. Seguindo a tabela acima, como percebemos que há
um único termo para a conclusão do espetáculo, êxodo, que está relacionado com a saída do coro.
Mas
mesmo guardando esta definição, no êxodo, pelo menos em Ésquilo, outras coisas
acontecem: lamento generalizado (Os
Persas e Sete contra Tebas), procissão celebratória (Eumênides, As Suplicantes), Suspense/quadro vivo (Coéforas), saída em silêncio (Agamenon). A conclusão do espetáculo
está diretamente relacionada com o encademento de eventos dentro da trilogia e
com a construção da resposta emocional. De qualquer modo, marca-se um
desligamento da audiência em relação ao mundo encenado.
Diante
disso, inícios e fins, conexões e desligamentos do nexo entre a audiência e o
espetáculo, são premissas para dramaturgia envolvida em uma situação interativa
frontal dentro de um ambiente diversificado. Ao mesmo tempo, inícios e fins projetam e
reprojetam expectativas, construíndo e reelaborando a participação da audiência
no espetáculo. Ésquilo soube bem como
trabalhar tais jogos recepcionais, indo de uma intensificação de emoções
angustiantes, como em Os Persas, até
inversões de sensibilidades opostas, como em Coéforas e As Suplicantes.
[1] As Rãs, v. 914-915. A tradição coral precede os concursos
dramáticos das Grandes Dionísias. A dramaturgia ateniense se apropriou dessa
tradição multiforme e a transformou. Entre as modalidades (ou gêneros líricos)
apropriadas estão: 1- o Peã, ou coro
de jovens do sexo masculino celebrando Apolo; 2- Epinício, quando se celebra uma vitória atlética ou no
campo de batalha. 3- Partenéia, coro
de jovens do sexo feminino em seus ritos de passagem; 4- Himeneu, celebração dos diversos momentos dos rituais de um casamento;
5- Trenódia, lamentação fúnebre pelos
mortos. V. SWIFT 2010.
[2] CHANTRAINE 1968:1044. A derivação de
sentido para canto estacionário, proposta por Liddlell-Scott-Jones não leva em
consideração a complexidade do espetáculo trágico ateniense e a dinâmica coral.
Como veremos, o coro produz muito movimento e muito som.
Nenhum comentário:
Postar um comentário